Carlos Alexandre e Joana Marques Vidal juntos pela primeira vez numa conferência sobre «comportamentos de risco» (c/áudio) – Rádio Tágide

Carlos Alexandre e Joana Marques Vidal juntos pela primeira vez numa conferência sobre «comportamentos de risco» (c/áudio)

Têm uma carreira na justiça, no sistema judicial, na janela mediática da justiça, mas foi a primeira vez que estiveram juntos, lado a lado, numa conferência. Foi em Mação, no sábado, 9 de setembro, que o, agora juiz desembargador, Carlos Alexandre, e a procuradora-geral adjunta, Joana Marques Vidal, participaram numa conferência “Comportamento de risco e direitos humanos” moderada pelo presidente da Câmara de Mação, Vasco Estrela.
Apesar de ser uma conferência direcionada aos problemas com as adições, de drogas, drogas sintéticas ou outras como o jogo, a conversa evoluiu para outros campos. Carlos Alexandre, natural de Mação, juiz no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa até ao dia 11 de setembro, abordou outras questões, embora com cautelas. E explicou porquê.

“Eu tenho que medir muito bem as palavras que digo em público (…) em virtude de eu já ter tido duas investigações disciplinares por coisas que vim dizer a Mação, para Mação e por Mação sobre incêndios e sobre água. Nenhuma delas teve consequências, foram arquivadas, mas de qualquer modo, por uma palavra, certas pessoas podem perder o direito à palavra sequer, portanto, é preciso ter muito cuidado com aquilo que se diz em Público.” Depois acrescentou que “foi uma coisa que prometi a uma pessoa também relacionada com esta terra, em 19 de novembro de 2019, por questões de afinidade, estou hoje a quebrar essa regra mais uma vez em prol de Mação e por Mação. A regra ?foi você nunca mais abre a boca em público sobre assuntos que digam respeito a assuntos que digam respeito à sua vida profissional?. Portanto, eu aceitei essa exortação, não foi uma ameaça, não foi nada, foi uma exortação, foi um conselho e desde 19 de novembro de 2019 que eu não teve qualquer consideração em público, nem sequer bom dia… quando passo, talvez faço assim com a mão, que é um gesto que veio de miúdo, faça assim.” Mas depois explicou esta “presença em público” novamente em Mação: “agora aqui resolvi quebrar essa regra porque há 1 ano fui sensibilizado pelo convidado, pelo Luís Duarte, que é meu médico, que me acompanha sempre que necessário nas áreas da sua especialidade a ajudar-me difundir e a difundir a mensagem dele que vem sendo feita através da mala de prevenção, mesmo perante os poderes instituídos, sejam eles de direito ou de facto.”

Carlos Alexandre 

Um dos temas abordados, e já relacionado com o mote da conferência foi a nova Lei Droga, recentemente promulgada pelo Presidente da República.

E Carlos Alexandre referiu que “o que é facto, é que eu ordenei atenção de muitas pessoas com um número não muito elevado de substâncias em posse naquele momento, sempre a mais do que as dez doses, a doses diária, a tal dose dos dez dias, mas com os outros requisitos de contorno local, que como é que se procedia o modus operandi, tudo isso… e, neste momento, vejo-me confrontado sentado no meu sofá, mesmo confrontado com uma série de dúvidas porque só quem não tem decisões para tomar sobre a liberdade de terceiros, que é uma coisa bastante difícil de gerir.” O agora Juiz do Tribunal da Relação de Lisboa revelou ainda que ”só quem não tem esses momentos é que não sabe dar valor às angústias porque se passa portanto, sinto-me constrangido neste momento e preocupado com o facto de terem suscitado algumas dúvidas sobre a importação dos diplomas acabados de dar à promulgação que vem colocar um problema que é inverter um pouco a presunção.”

O Juiz, natural de Mação, conclui o pensamento a dizer que “o que vos quero transmitir é o facto de se inverter a presunção (e a norma como diz agora e podia citá-la), que realmente o que for mais que dez dias não é só o facto da causa do tráfico, terá que se provar que não é para consumo, que não é apenas para consumo.”

Quando falou na questão dos prazos compreendendo eu a dificuldade que há em recolhermos prova suficiente e suficientemente profunda para ser apresentado ao juiz, apesar disso tudo, eu penso que é importante não estendermos os prazos de detenção para apresentação do juiz, por isso, sempre defendi, mesmo face aos sistemas jurídicos estrangeiros que têm prazos muito mais alargados que o nosso prazo, é um prazo razoável porque o concelho também já sentiu isso… uma limitação de liberdade de 48 horas é muito, depois se houver fundamentos, será a prisão, pois pode não haver, pode não haver fundamentos naquele momento e é muito e segundo a detenção de 48 horas que não seja confirmada por um juiz, era muito, e eu, mas está no Ministério Público porque considero que é essencial a intervenção de uma apreciação judicial para a confirmação ou não de atenção.

 

Carlos Alexandre

Joana Marques Vidal também levanta dúvidas sobre esta nova Lei, mesmo dizendo que não a conhece. Mas disse que “alguns dos procuradores com quem tenho conversado, designadamente, das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores estão extremamente preocupados com modo como vão conseguir, não só relativamente à questão da aplicação ou não aplicação desta legislação, reagir enquanto magistrados do Ministério Público ao fenómeno do consumo de drogas sintéticas e a sua expansão em gente muito nova. E estão extremamente preocupados com o modo como se podem reagir com o mais adequado.” E depois apontou a outra dúvida: “diz a experiência que para além de termos uma lei que deve cuja justeza ou cuja capacidade de intervenção regula a intervenção dos tribunais e da parte que dá reação mais censória, os magistrados que trabalham nesta área são também muitas vezes confrontados com a perplexidade de sentirem que a ação dos tribunais não pode ser completamente ineficaz face àquela pessoa que temos ali. E isso é muito mais angustiante quando temos jovens muito jovens, por vezes menores, muitas vezes com idade de atividade criminal, uns 18, 19, 20 anos e em que sentimos que a intervenção dos tribunais é essencial (…) e se for só intervenção aos tribunais, muitas vezes é essa intervenção, até pode ser prejudicial. Estou a falar, pessoalmente em fenómenos de consumos relativamente a gente e de vícios relativamente a gente muito nova, portanto, é essencial que as outras respostas exijam também.”

 

Joana Marques Vidal

Joana Marques Vidal deixou uma resposta à declaração de Carlos Alexandre sobre o prazo de apresentação de um detido a primeiro interrogatório.

A Procuradora-Geral Adjunta disse: “Quando falou na questão dos prazos, compreendendo eu a dificuldade que há em recolhermos prova suficiente e suficientemente profunda para ser apresentado ao juiz, apesar disso tudo, eu penso que é importante não estendermos os prazos de detenção para apresentação do juiz.” E acrescentou “sempre defendi, mesmo face aos sistemas jurídicos estrangeiros que têm prazos muito mais alargados que o nosso, é um prazo razoável, uma limitação de liberdade de 48 horas é muito. Depois se houver fundamentos, será a prisão, pois pode não haver, pode não haver fundamentos naquele momento e é muito.”
O Juiz pediu depois a réplica para explicar que quando falou num prazo de 48 horas curto tem a ver com alguns tipos de crimes. E deu como exemplo uma violação. Em 48 horas, fora de flagrante delito, pode não haver condições para juntar prova pericial, como testes de ADN, para um primeiro interrogatório.

 

Joana Marques Vidal

O resumo das intervenções foi feito pelo presidente da Câmara de Mação, Vasco Estrela. “Eu diria em jeito muito breve de resumo, tivemos aqui duas intervenções de algum modo parecidas, o Sr. Doutor Carlos Alexandre disse que medidas de intervenção intimistas de onde de alguma forma refletiu em voz alta sobre alguns dilemas que tem também a Doutora Joana de alguma forma o acompanhou, relativamente, nomeadamente àquilo que diz respeito aos direitos humanos àquilo que diz respeito às dúvidas que muitas vezes existem, quem tem de tomar decisões difíceis, nomeadamente no caso concreto da prisão preventiva, da prisão dos cidadãos.

O Doutor Carlos Alexandre teve aqui também uma visão muito prática daquilo que é o dia a dia, ou que foi o seu dia a dia, pelo menos até à passada segunda-feira, como bem referiu, e não deixou escapar o que é um viciozinho de quem ainda não vestiu a pele de desembargador. Fica também registado para memória futura a discordância entre o Juiz Carlos Alexandre e a Senhora Procuradora relativamente à questão dos prazos [da apresentação de detidos para primeiro interrogatório] portanto, também sublinhar uma vez mais, que nem sempre concordaram no passado também aqui no dia de hoje, a Doutora Joana referiu, e muito bem, a questão dos direitos humanos, dos direitos fundamentais. Também aqui manifestou alguns estados de alma repetidamente, algumas questões concretas da vida, da sua vida profissional, e foi muito assertiva na defesa destes direitos, deixa também pistas de como é que podemos eventualmente, ajudar a ultrapassar alguns constrangimentos que temos. Fez um apelo às redes, a importância que tem também no tratamento das doenças, dos doentes e daqueles que apareciam perante vós com estes problemas relacionados com as adições. Da necessidade da intervenção de outros profissionais, enfim, deixar tudo na justiça é manifestamente pouco portanto, fica também aqui esta reflexão. Não posso deixar passar em claro aquilo que disse, de Portugal ser um país de diagnósticos. Fazemos diagnósticos e depois pouco concretizamos para a resolução dos problemas que estes diagnósticos evidenciam.” E concluiu a dizer que um desses casos tem a ver com os incêndios, mas acrescentou “poderíamos referir muitos outros.”

Vasco Estrela

A conferência “Comportamento de risco e direitos humanos” fez parte do II Encontro Internacional de Solidariedade Intergeracional, um evento que contou com a partilha de experiências e reflexões de dezenas de profissionais de vários países.

O primeiro encontro realizou-se em 2018, em Mação, Abrantes, Sardoal e em Gavião, e, ainda, em Lisboa, nas zonas da Amadora e Casal Ventoso. O médico Luís Patrício, coordenador do evento, explicou que esta iniciativa surgiu devido aos incêndios que ocorreram em Mação.

Jerónimo Belo Jorge e Jade Garcia

Fonte da notícia: Jornal de Abrantes